MADRID, 26 nov. (EUROPA PRESS) -
O médico palestino-boliviano Refaat Alathamna, que chegou a Madri com sua esposa e seis filhos no dia 23 de novembro, assegurou que "Israel está limitando toda a ajuda, está tentando acabar com tudo o que é vida em Gaza e conseguiu até certo ponto, já que não há agricultura, não há produção alguma".
"Israel fez com que o dinheiro das pessoas não valesse nada", de modo que, conforme acrescentou, "não se podia encontrar nada nos mercados" e "um quilo de açúcar custava 200 euros e um quilo de farinha 30 euros", conforme indicou em uma reunião com a mídia realizada na quarta-feira em Madri para relatar sua experiência.
O médico anestesista e intensivista detalhou os horrores vividos "dia após dia" pela população de Gaza e explicou que "muitas pessoas foram deslocadas de suas casas e colocadas em centros muito limitados, porque Gaza está quase 70% ocupada e eles colocaram toda a população nos 30% restantes, vivendo nas piores condições em tendas esfarrapadas".
Nesse sentido, o médico - que luta há 14 anos para sair de Gaza - detalhou que "as chuvas derrubaram quase todas as barracas, não há sistema sanitário, o sistema de saúde está em colapso, não há eletricidade, não há nada".
"Também não há maquinário, porque tudo foi destruído. As equipes de defesa civil foram todas atacadas. Além disso, há milhares de vítimas sob os escombros. Israel não está permitindo a entrada nem de um trator, está fazendo um bloqueio enorme", denunciou. Sobre esse ponto, ele ressaltou que "a maioria das pessoas que sobrevivem em Gaza o fazem graças à ajuda direta" que recebem do público, "que representa 90% da ajuda que chega".
Com relação à posição dos governos sobre a situação na Palestina, Alathamna disse estar "muito irritado com o silêncio deles". "Fomos muito ajudados pela opinião da Espanha que, no final, levantou a voz e disse 'não' a Israel, que não concordava com esse genocídio", destacou.
O médico também disse que "Gaza tem sido um local de experimentos com armas que vieram de todos os lados". "Você dorme com os olhos abertos, nunca houve uma noite sem ataques. Eu sempre perdia o sono e tinha que ir trabalhar no dia seguinte no hospital", lamentou.
Sobre os horrores que testemunhou em seu trabalho, ele disse que "os feridos chegavam às dezenas". "A pior coisa que vimos como médicos foram as crianças, que chegaram gravemente feridas, amputadas. Imagine quantas crianças agora são deficientes, tiveram suas pernas ou braços amputados e não têm pai ou mãe. Isso é o que mais afeta a nós, médicos, porque não há como aliviar essa situação em uma emergência", disse ele.
O médico também disse que, no seu caso, ele perdeu "dois tios" e seu melhor colega de trabalho. "É para isso que vivemos, para receber notícias ruins de um ente querido que morreu. Todas as famílias perderam muitas pessoas, há famílias que desapareceram do mapa", acrescentou.
UM NOVO COMEÇO NA ESPANHA: "FINALMENTE ESTAMOS SEGUROS".
"Durante esses dois anos, as lágrimas não caíram, mas saíram agora porque sinto que estamos seguros, finalmente, porque é demais o que passamos, foi uma luta absoluta. Quando estávamos lá, muitas pessoas já queriam morrer. Elas diziam: 'não queremos mais viver'. É a rotina diária, eles não têm descanso", disse emocionado.
Diante de sua nova vida na Espanha, ele disse que só quer ter seu diploma de medicina reconhecido, "para poder trabalhar como médico e continuar trabalhando". "Também quero mandar meus filhos para a escola, já que eles não vão lá há dois anos, como todas as crianças de Gaza. Queremos começar uma nova vida e tentar esquecer o que aconteceu conosco em Gaza, embora isso seja muito difícil. O problema em Gaza não acabou, o sofrimento não acabou.
Por sua vez, a fundadora da associação sem fins lucrativos "Hola Gaza", Lorena Santana - que tem ajudado o médico a deixar Gaza desde 2024, juntamente com a ONG Mensajeros de la Paz - contou todo o processo vivido nesses meses. "É um milagre que Refaat esteja aqui hoje, porque ele foi ameaçado como médico por dizer a verdade em todos os meios de comunicação e relatar o que estava acontecendo", explicou ela.
Santana disse que eles se conheceram em fevereiro de 2024 nas mídias sociais, "no pior momento da vida dele", quando ele pediu ajuda a ela no 'TikTok'. "Ele me disse que era médico, que não estava sendo pago no hospital e que estava escondido em uma casa com outros membros da família, desviando de bombas. Ele também tinha uma campanha de arrecadação de fundos no GoFundMe para ir ao Egito", disse ela.
Por esse motivo, ela se ofereceu para ajudá-lo por meio das redes sociais e arrecadar cerca de US$ 30.000, "o que ele precisava para chegar ao Egito, a cerca de 10 quilômetros de onde estava". No entanto, ele lembrou que, em maio de 2024, a fronteira com Rafah foi bloqueada e fechada, "então não havia mais possibilidade de sair com esses 30 mil dólares para toda a sua família".
"Tivemos que continuar lutando pela sobrevivência deles e ver como era possível enviar dinheiro para Gaza. Um advogado me disse para criar uma associação para poder continuar a ajudá-lo e foi assim que foi criada a 'Hello Gaza', que possibilitou salvar sua vida e a de sua família e enviar o dinheiro necessário", concluiu.
De qualquer forma, Santana lamentou o processo pelo qual teve de passar para receber o dinheiro. "Ele teve que passar o dinheiro para um intermediário, que o entregou em dinheiro, mas cobrou entre 25% e 55% de comissão por isso. "Se eu lhe passasse 3.000 euros, ele recebia 1.500. Na maioria das vezes, perdíamos quase a metade. Mas era a única maneira de eles se manterem vivos", lamentou.
Para a chegada da família Alathamna à Espanha, a colaboração dos governos da Bolívia e do México foi "fundamental", sem esquecer o papel do Ministério das Relações Exteriores da Espanha com seu consulado em Jerusalém e sua embaixada na Jordânia. "Tivemos que lutar para que ele estivesse aqui hoje com todos os governos do mundo, com todas as embaixadas. Além disso, ele tem dupla nacionalidade, mas a Bolívia levou dois anos para tirá-lo de lá", disse Santana.
APOIO DE 260 PERSONALIDADES DO MUNDO DA CULTURA E DA SAÚDE
A coletiva de imprensa também contou com a presença do diretor de cinema Javier Fesser, que também colaborou para ajudar na libertação do médico, coletando assinaturas em apoio a Alathamna, juntamente com a atriz Athenea Mata, uma iniciativa que recebeu o apoio de mais de 260 personalidades do mundo da cultura e da saúde espanholas, incluindo os cantores Rozalén e Miguel Ríos; os atores Luis Tosar, Antonio De la Torre e Laia Costa; os diretores Pedro Almodóvar e Isabel Coixet, e os escritores Rosa Montero, Elvira Lindo e Antonio Muñoz Molina, entre outros.
Como ele enfatizou, "o Dr. Refaat Alathamna é o testemunho vivo e presente de um horror que está acontecendo em seu país". "Junto com sua família, ele foi deslocado nove vezes de sua casa, eles vivenciaram em primeira mão algo que, pelo menos para mim, não consigo imaginar, uma injustiça de enormes proporções", declarou, chamando a atenção para a necessidade de "acolher aqueles que precisam ser acolhidos, em um momento em que o mundo está falando tanto sobre expulsão".
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