MADRID 3 dez. (EUROPA PRESS)
A diretora brasileira Marianna Brennand apresenta em Madri Manas, escolhido pelo Brasil para os Prêmios Goya 2026. A Academia de Cinema oferecerá uma exibição exclusiva para acadêmicos no dia 8 de dezembro. Este é seu primeiro filme de ficção após uma carreira dedicada ao documentário. Brennand afirma que o projeto nasceu de sua intenção de visibilizar a violência que afeta mulheres e meninas: “Fiz ‘Manas’ porque queria dar voz às mulheres e meninas que são silenciadas todos os dias”.
O filme acompanha Marcielle, uma menina de 13 anos que vive na ilha amazônica de Marajó, que experimenta uma perda progressiva de inocência dentro de uma comunidade onde os abusos são normalizados.
A diretora, cujo longa-metragem ganhou o Prêmio do Diretor no Giornate degli Autori de Veneza e recebeu vários reconhecimentos em festivais internacionais, considera que a presença no Goya faz parte do que ela define como “uma sensação de missão cumprida ou missão em andamento”. “Ser o filme brasileiro selecionado para o Goya significa amplificar essa voz. Significa ecoar essa mensagem”, disse Marianna Brennand, em entrevista concedida à Europa Press. A cineasta acrescenta que esse reconhecimento também destaca que “a violência é universal”, algo que ela identifica como um elemento central na recepção do filme pelo público.
MAIS DE UMA DÉCADA DE PESQUISA
Brennand situa a origem do projeto há mais de dez anos. Naquela época, a diretora acabara de lançar um documentário no Brasil quando conversou com a cantora e ativista Fafá de Belém, recém-chegada de uma viagem à ilha de Marajó, no estado do Pará. Lá, ela observou a situação de meninas muito jovens que subiam em barcaças no rio Tajapuru e eram exploradas sexualmente em troca de pequenas quantias de dinheiro, combustível ou comida. “Fiquei completamente arrasada e indignada. Parecia impossível acreditar que isso estivesse acontecendo”, lembra a cineasta. Ela afirma que, após conhecer esses depoimentos, seu impulso imediato foi “denunciar a situação” por meio do cinema.
Sua primeira ideia foi abordar o tema por meio do formato documental. No entanto, após avaliar as implicações éticas, ela decidiu descartá-la. “Eu teria que colocar mulheres e meninas diante da câmera e pedir que relatassem as experiências tão violentas que haviam vivido. E isso seria muito traumático. Eu queria fazer este filme sem acrescentar mais violência”, explica. Esse raciocínio a levou a desenvolver “Manas” como uma ficção inspirada nos depoimentos coletados durante a investigação.
UM PROCESSO DE TRABALHO CENTRADO NA PROTEÇÃO DOS ATORES
A atriz principal, Jamilli Correa, tinha 13 anos e não tinha experiência prévia em atuação. Brennand explica que esse fato implicou um processo de trabalho especialmente cuidadoso. Antes das filmagens, foram realizados workshops com as menores selecionadas e mantidas conversas com suas famílias para garantir que compreendessem o conteúdo geral da história. “Elas sabiam do que se tratava o filme, mas nunca as deixamos ler o roteiro”, ressalta. A diretora explica que as cenas foram preparadas de forma simbólica, evitando que as meninas se envolvessem emocionalmente nos elementos mais difíceis da história.
Com o objetivo de reduzir a pressão sobre Correa, Brennand tomou a decisão de não informá-la de que ela era a protagonista absoluta do filme até que ela visse o filme finalizado. “Você imagina a pressão para uma menina de 13 anos que nunca havia atuado antes? Não me parecia justo nem saudável”, afirma. A diretora explica que, devido à estrutura do filme — que é narrado inteiramente da perspectiva de Marcielle —, qualquer pressão adicional poderia afetar não apenas o bem-estar da atriz, mas também o próprio andamento das filmagens.
Durante os dois meses anteriores, o elenco conviveu na casa construída para as filmagens e se familiarizou com as atividades cotidianas do ambiente amazônico, como remar em canoa, movimentar-se pela floresta ou realizar tarefas relacionadas ao dia a dia da região. Essa preparação tinha como objetivo que as intérpretes pudessem encarnar com naturalidade a vida de suas personagens.
UMA FICÇÃO CRIADA A PARTIR DE LIMITES ÉTICOS DEFINIDOS
A diretora detalha que, desde as primeiras versões do roteiro, decidiu que o filme não incluiria representações gráficas de violência sexual. “Foi uma decisão ética e também política... Recriar essas cenas seria validá-las”, afirma. O filme recorre a cortes narrativos e ao uso do som para sugerir e transmitir o que aconteceu sem mostrá-lo diretamente. Brennand descreve essa abordagem como uma forma de fazer com que o espectador experimente emocionalmente o processo, sem expor o público a imagens explícitas. Seu objetivo era que a violência fosse percebida através da experiência da personagem e da atmosfera criada no filme.
Além disso, ela ressalta a importância de evitar qualquer abordagem que possa contribuir para sexualizar a imagem da protagonista. “Trata-se de uma menina de 13 anos. Não há desculpa para a violência sexual”, afirma. Nesse sentido, a diretora explica que quis filmar a intérprete com respeito, levando em conta tanto sua idade quanto o contexto da história, e evitando reproduzir olhares que considera habituais em narrativas audiovisuais construídas a partir de outros códigos.
APOIO INTERNACIONAL
O filme também conta com o apoio de figuras como Walter Salles e os irmãos Dardenne, que se juntaram ao projeto durante a fase de escrita do roteiro. Mais tarde, Sean Penn conheceu Brennand por causa de seu discurso no prêmio Women in Motion. Segundo a diretora, o ator expressou seu desejo de ver o filme e, depois de assisti-lo, transmitiu sua intenção de apoiá-la: “Ele me disse: ‘Este filme é urgente. É necessário. O mundo inteiro precisa vê-lo’”. Penn colaborou na organização de uma exibição em Los Angeles apresentada ao lado de Julia Roberts, que afirmou que o filme permitiria observar transformações no público após a exibição.
O IMPACTO DA RECEPÇÃO DO PÚBLICO
Embora “Manas” tenha sido premiado tanto por júris quanto pelo público em diferentes concursos, Brennand destaca especialmente as interações pessoais que as espectadoras lhe transmitem após as exibições. “Que uma mulher se aproxime de mim depois de assistir a “Manas” e me diga: ‘Obrigada por fazer este filme. Obrigada pela sua coragem'... Isso não tem preço”, afirma. Para a diretora, esses comentários refletem uma identificação que, segundo ela, se repete dentro e fora do Brasil e que está relacionada ao fato de que muitas mulheres sofreram diferentes formas de violência ao longo da vida: sexual, física, psicológica, moral ou econômica.
PRÓXIMOS PROJETOS
Olhando para o futuro, Brennand afirma que ainda não definiu se seu próximo trabalho será um documentário ou uma ficção. “Depende da história”, afirma, embora reconheça seu interesse em voltar a filmar ficção após a experiência com “Manas”. Mesmo assim, ela mantém sua ligação com o documentário, um formato que considera necessário quando surgem histórias que, afirma, “simplesmente chegam até você e você precisa contá-las”.
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